“Você pode dar vários nomes para o sacrifício de alguém. Nesse caso, daria até para usar a palavra vocação.”
Polarização (nesse momento as vírgulas do Medo e Delírio em Brasília pulam na minha mente). É muito difícil não pensar nos últimos sete anos sem usar essa palavra como explicação para muitas coisas que aconteceram e acontecem ainda hoje. Divididos em “direita” e “esquerda”, famílias, trabalho e grupos de amigos se converteram em campos de guerra, intencionalmente alimentados.
O Brasil viveu o inferno. Na maior pandemia dos últimos cem anos, vivíamos sob o governo de gente má, incompetente, sedenta pelo poder e ignorante. Apoiado por uma massa radicalizada, esse governo alimentava o ódio a quem discordava, pintando a face das vozes contrárias como “esquerdistas”. Essa polarização, fruto também de uma ignorância massiva e um uso desregulado das redes sociais, não desapareceu, ainda existe, talvez esperando o momento de retornar.
Mas como ficam as famílias e as relações destruídas? A pergunta pode ir além, na verdade. É importante tentar entender que mecanismos internos das relações sociais foram disparados e conseguiram ser encaixados nas “caixinhas” ideológicas. Todo extremismo é burro, danoso e, muitas vezes, nascem do mesmo lugar e só escolhem roupas diferentes.
Em Solução de dois estados, do gaúcho Michel Laub e publicado em 2020, conhecemos a história de Raquel e Alexandre, dois irmãos que estão em pontos diferentes dessa polarização ideológica e tem suas histórias contadas por Brenda, uma cineasta alemã que prepara um documentário sobre a violência no Brasil.
Raquel é uma artista de performance, que possui cento e trinta quilos e um trabalho que conta com episódios de violência contra si mesma e sofre um ataque durante um debate político em 2018. Alexandre por sua vez é um empresário do meio “fitness”, proprietário de academias na periferia de São Paulo.
Em capítulos curtos, documentais e formados prioritariamente pelos depoimentos de ambos, vamos desvendando a história dessa família, a relação com o pai que faliu após o Plano Collor, a mãe que necessita de cuidados e os traumas e agressões sofridas e infligidas por ambos ao longo da vida.
A construção do livro é tão bem feita que os capítulos curtos e intercalados tornam a leitura intensa, difícil de largar e muito fluída. O talento inegável de Laub faz com que a elaboração dos personagens gere efeitos contraditórios frequentemente e que, no meu caso, levaram a um final que me fizeram odiar ambos os irmãos. Mesmo Raquel, com as violências sofridas, se revela uma pessoa egocêntrica e agressiva, que ataca quem apresenta um contraditório sobre a vida, sem fazer nenhum tipo de reflexão. Alexandre não surpreende, é limitado do início ao fim e representa muito bem a sua parte da polarização.
Livros que são capazes de despertar sentimentos, especialmente os contraditórios, ganham muitos pontos comigo. Começar uma história com uma percepção e ser levado por novos caminhos é uma experiência incrível proporcionada pela literatura. Michel Laub entrega um recorte interno sobre a polarização, mostrando que alimentos foram e são usados para estimular a guerra ideológica. Um fio condutor importante para compreendermos que a história humana não tem uma década.
O que estou lendo
Consegui dar uma acelerada legal nos últimos dias de 2024 e no começo de 2025, terminei alguns livros e espero manter o ritmo pelo máximo de tempo possível. Atualmente estou lendo O Populismo Reacionário, livraço do Christian Lynch e do Paulo Henrique Cassimiro, que contextualiza e explica bem o que é o populismo reacionário e como ele chegou ao poder no Brasil. Muitas fontes, um grande trabalho de contextualização e um farol de entendimento do cenário político brasileiro dos últimos anos.
Próximas resenhas
Eduardo Galeano – As veias abertas da América Latina
Walter M Miller Jr. – Um cântico para Leibowitz
Anderson França – Rio em Shamas
O caçador de pipas – Khaled Hosseini
A sexta extinção - Elizabeth Kolbert